24 de agosto de 2008

De Amarante à capital da Lusitânia, em sidecar - 3

O Vale do Douro, visto de Mesão Frio.
AMARANTE - TRANCOSO, 2008.06.11
Partimos de Amarante pela manhã, debaixo de um sol radioso, e tomamos a N101 em direcção a Mesão-Frio. Aqui, no entroncamento com a N108, temos o primeiro (re)encontro com a impressionante paisagem do Alto Douro; e seguimos, serpenteando a par do rio, até à Régua.
Primeira paragem, para tomar um café, no bar da Estação da capital vinhateira.
Estacionado sob a protectora sombra do arvoredo, frente à esplanada, o sidecar atrai a curiosidade dos passantes e algumas fotos. Acabo por ser abordado por uma senhora lisboeta e pelo seu amigo, turista americano, apaixonado por motocicletas e - segundo diz - possuidor de várias Harley, que quer saber onde se arranja uma coisa daquelas para levar para casa. Entabulamos uma animada conversa e esclareço-os que, actualmente, não faltam nos EUA importadores e aficionados destas máquinas de Leste. Na realidade, assiste-se ultimamente nos States a um verdadeiro culto coleccionista relativamente a estes engenhos do antigo país dos sovietes - espécie de espólio simbólico e nostálgico da "guerra fria" mantida durante quase toda a segunda metade do séc. XX com o seu extinto (ou hibernante?) "inimigo de estimação".

Bom, fim da pausa para o café. Programamos o GPS para a rota mais curta com destino a Penedono - aqui tenho de confessar que nunca preparámos minimamente os itinerários... - e arrancamos para a estrada que vai para o Pinhão.
O tempo está óptimo; a estrada, plana, segue suavemente a margem esquerda do Douro; e a Dnepr desliza sem esforço, com um agradável e tranquilizador ronronar do motor.
Estamos quase à vista do Pinhão quando, inesperadamente, o GPS dá indicação para cortar à direita para uma estrada secundária. Ainda hesito, mas, não há dúvida: a geringonça de posicionamento por satélite é peremptória quanto à direcção a tomar... e lá seguimos, obedientemente, para Valença do Douro, com seguimento para Castanheiro do Sul.
Chegados aqui, somos obrigados a parar por alguns momentos, pois tanto a moto como o condutor estão a arfar. Só a "pendura" se mantém, serena, no seu berço, do qual não faz, sequer, menção de sair para esticar as pernas. Os últimos quilómetros foram sempre a subir, a subir, curvas e contra-curvas, o motor a exigir frequentes mudanças de caixa e o calor a apertar; mas tudo compensado pela imponente e original paisagem dos socalcos de xisto e vinha da mais antiga região demarcada do Mundo: verdadeiros monumentos ao empreendedorismo visionário - sem o qual nunca teriam acontecido - e ao trabalho hercúleo de gente humilde - sem o qual nunca teriam sido feitos!
Com a esperança de termos atalhado alguns quilómetros, seguimos pela mesma estrada para Penedono, onde chegamos já com a hora do almoço avançada. Ainda se arranjam umas costeletas de vitela grelhadas - excelentes, por sinal - e a digestão é feita a deambular pelo encantador centro desta vila medieval e a visitar o seu castelo, digno da morada de uma qualquer bela adormecida, tão fantasistas são as suas linhas.

Castelo de Penedono, com o Pelourinho em primeiro plano.


Esta é a terra do Magriço - um dos Doze de Inglaterra - filho do alcaide de Trancoso, senhor de Penedono, cavaleiro andante especialista na barrela da honra de damas desvalidas - a acreditar em Camões... - que com o mesmo empenho com que seu pai e seu irmão investiam a lança contra o Sarraceno - com o firme propósito, dizia-se, de dilatar a Fé - também ele ia de pronto desancar em torneio um qualquer cavaleiro britânico; sem dúvida, com o firme propósito de, no mínimo, lhe dilatar alguma parte do corpo em que conseguisse acertar.

Custa-nos deixar Penedono com tanto por ver, mas o fim da jornada ainda está longe e a tarde avança. Mais uma vez, socorremo-nos do GPS para escolher o caminho mais curto até Marialva (26 km), que nos leva a uma breve passagem pela cidade da Mêda e nos introduz no "planalto das lendas".


Marialva

Marialva - aldeia histórica - é um caso sério, pela positiva, de preservação e recuperação do património edificado. As suas origens mais remotas são atribuídas à cidade Aravor, fundada pelos Túrdulos (onde é que os amarantinos já ouviram isto...?) no séc. VI a.C. Seguiram-se-lhes os Romanos, os Godos e os Árabes, que terão dado à cidadela o nome de Malva - transformado em Marialva aquando da sua reconquista por D. Fernando Magno de Leão, em 1063. A partir do séc. XIII, os Judeus começam a fixar-se em Marialva e, no reinado de D. Manuel, formam mesmo uma judiaria. D. Afonso V dá o título de Conde Marialva a D. Vasco Coutinho - irmão do Magriço - em 1440.


E muito mais haveria a saber sobre a história de Marialva se não estivéssemos tão ocupados a encher os sentidos com a atmosfera das ruelas, das cangostas e de todos os recantos onde a força das pernas nos conseguiu levar.

As intervenções arquitectónicas mais recentes são, em regra, de uma qualidade assinalável, sem mimetismos pitorescos, mas também sem descabidas manifestações egóticas. O equilíbrio, a sensibilidade, o respeito pela História e o rigor da modernidade, são, felizmente, a marca dominante das obras que vemos - um caso de referência!

Entretanto, o céu começa a encobrir-se com pesadas nuvens vindas de noroeste e caem mesmo, espaçados, alguns gossos pingos de chuva.

A perspectiva de apanharmos com uma valente carga de água - nada agradável para um motard, mesmo em três rodas - faz-nos ponderar a hipótese de encontrar alojamento no local. As "casas de campo" (TER) disponíveis são de topo de gama e com preços correspondentes, mas não nos garantem o abrigo da nossa montada. A "pendura", forreta e empenhada em cumprir a etapa do dia - pudera, tem o pára-brisas e o tonneau do carrinho... - é de opinião que nos façamos à estrada. E assim fazemos, em andamento vivo, para sul, procurando fugir à intempérie.

As muralhas de Trancoso

Chegamos a Trancoso - secos - ao entardecer. Foi um longo dia, cheio de emoções - e ainda não acabou...
JM

2 comentários:

PB Pereira disse...

Parabéns pelos pormenores históricos, culturais e arquitectónicos.

PB Pereira disse...

E pelas bonitas fotos.